terça-feira, 7 de junho de 2011

Novo endereço do blog



Por que mudar para o wordpress?

O Wordpress é um gerenciador de conteúdo na web (em especial, blogs). A
grande diferença com relação ao blogger.com, pois ambos são gratuitos, é o tipo de licença que rege a distribuição do wordpress: GNU General Public License. Além disso, quando instalado em um servidor próprio, o wordpress permite uma revisão quase completa do código do site e a instalação de plugins construídos e distribuídos abertamente pela comunidade. A versão fornecida pelo wordpress.com já é mais limitada (por motivos de segurança), no entanto mantém a filosofia de código aberto.

 

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Entrevista com Banksy

http://www.unurth.com/287745/Banksy-Interview-Video

Pedaços interessantes:


"I have a large collection of famous art at home, but they’re all fakes. I make them myself. If I like a picture I grab a photo, project it up and paint it. Sometimes I change the colours to fit with the curtains. I do it partly because I’m tight and partly because if the Basquiats and Picassos in the sitting room were real I’d be too scared to ever leave the house.

“I don’t make as much money as people think. The commercial galleries that have held exhibitions of my paintings are nothing to do with me. And I certainly don’t see money from the T-shirts, mugs and greeting cards. My lawyer calls me ‘the most infringed artist alive’ and wants me to do something about it. But if you’ve built a reputation on having a casual attitude towards property ownership, it seems a bit bad-mannered to kick off about copyright law.”

“It’s ironic that some people think the film is a spoof, because this is one of the most honest films you’re ever likely to see,” he responds. “There was no plan, no agenda; we didn’t even realise we were making a film until halfway through. With most documentaries they plan in advance what’s going to happen so they can get funding. We just had some cameras rolling as things started to unravel. Actually, maybe you shouldn’t print that last bit — our distributor told me that if I call it a documentary nobody will come.

“Originally I wanted to call the film How to Sell Sh*t to C**ts, which he was fine about, but he said never call it a documentary. I hadn’t ever wanted to make a film, but in the end I didn’t have much choice. This bloke had been filming me painting for a few months when I noticed that every time we’d go on an adventure the stories I’d tell when I got home were about the cameraman. No matter what bridge we’d been hanging off or who’d chased us, it was always stories about the madman with the camera that got the laughs. So it made sense to turn the camera back on him [Guetta]. I think it’s an interesting story, but I want people to come and see it with low expectations. It’s not exactly Avatar with spray cans.”

Entrevista completa aqui, e uns trabalhos do Banksy aqui.




segunda-feira, 2 de maio de 2011

continuidad de los parques

Había empezado a leer la novela unos días antes. La abandonó por negocios urgentes, volvió a abrirla cuando regresaba en tren a la finca; se dejaba interesar lentamente por la trama, por el dibujo de los personajes. Esa tarde, después de escribir una carta a su apoderado y discutir con el mayordomo una cuestión de aparcerías volvió al libro en la tranquilidad del estudio que miraba hacia el parque de los robles. Arrellanado en su sillón favorito de espaldas a la puerta que lo hubiera molestado como una irritante posibilidad de intrusiones, dejó que su mano izquierda acariciara una y otra vez el terciopelo verde y se puso a leer los últimos capítulos. Su memoria retenía sin esfuerzo los nombres y las imágenes de los protagonistas; la ilusión novelesca lo ganó casi en seguida. Gozaba del placer casi perverso de irse desgajando línea a línea de lo que lo rodeaba, y sentir a la vez que su cabeza descansaba cómodamente en el terciopelo del alto respaldo, que los cigarrillos seguían al alcance de la mano, que más allá de los ventanales danzaba el aire del atardecer bajo los robles. Palabra a palabra, absorbido por la sórdida disyuntiva de los héroes, dejándose ir hacia las imágenes que se concertaban y adquirían color y movimiento, fue testigo del último encuentro en la cabaña del monte. Primero entraba la mujer, recelosa; ahora llegaba el amante, lastimada la cara por el chicotazo de una rama. Admirablemente restallaba ella la sangre con sus besos, pero él rechazaba las caricias, no había venido para repetir las ceremonias de una pasión secreta, protegida por un mundo de hojas secas y senderos furtivos. El puñal se entibiaba contra su pecho, y debajo latía la libertad agazapada. Un diálogo anhelante corría por las páginas como un arroyo de serpientes, y se sentía que todo estaba decidido desde siempre. Hasta esas caricias que enredaban el cuerpo del amante como queriendo retenerlo y disuadirlo, dibujaban abominablemente la figura de otro cuerpo que era necesario destruir. Nada había sido olvidado: coartadas, azares, posibles errores. A partir de esa hora cada instante tenía su empleo minuciosamente atribuido. El doble repaso despiadado se interrumpía apenas para que una mano acariciara una mejilla. Empezaba a anochecer.

Sin mirarse ya, atados rígidamente a la tarea que los esperaba, se separaron en la puerta de la cabaña. Ella debía seguir por la senda que iba al norte. Desde la senda opuesta él se volvió un instante para verla correr con el pelo suelto. Corrió a su vez, parapetándose en los árboles y los setos, hasta distinguir en la bruma malva del crepúsculo la alameda que llevaba a la casa. Los perros no debían ladrar, y no ladraron. El mayordomo no estaría a esa hora, y no estaba. Subió los tres peldaños del porche y entró. Desde la sangre galopando en sus oídos le llegaban las palabras de la mujer: primero una sala azul, después una galería, una escalera alfombrada. En lo alto, dos puertas. Nadie en la primera habitación, nadie en la segunda. La puerta del salón, y entonces el puñal en la mano. la luz de los ventanales, el alto respaldo de un sillón de terciopelo verde, la cabeza del hombre en el sillón leyendo una novela.


tradução para o português

terça-feira, 26 de abril de 2011

"'Pixo' questiona limites que separam arte e política", diz curador da Bienal de SP

 Link da Folha
15/04/2010 - 07h00

FERNANDA MENA
da Reportagem Local

Acusados de vandalismo e terrorismo, os líderes do grupo que invadiu e pichou o andar vazio da Bienal de São Paulo em 2008 vão entrar na 29ª edição, em setembro, da mostra com credencial de artista.

A participação foi confirmada à Folha pela curadoria, que descreveu os pichadores como "artistas brilhantes", apesar de "tratados como marginais".

Com isso, a Bienal entra num fogo cruzado daqueles que tomaram partido de invasores ou de invadidos, e que agora polemizam sobre a iniciativa. É demagogia? Legitima uma ação destrutiva? Coopta uma vanguarda transgressora?

Para o curador Moacir dos Anjos, a aposta não é em respostas fáceis, mas justamente na elaboração de questões.

Leia, a seguir, íntegra da entrevista concedida pelo curador-geral da mostra à Folha.

Folha - Por que incluir os pichadores da 28ª Bienal na 29ª edição do evento?

Moacir dos Anjos - Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que nosso intuito não é incluir 'os pichadores da 28ª edição'. Não se trata de um pedido de desculpas ou de um confronto com a edição anterior do evento. O que realmente queremos incluir na presente edição da Bienal é a pixação, ou simplesmente o pixo, com 'x' mesmo, grafia usada por seus praticantes para diferenciar o que fazem hoje em São Paulo das pichações político-partidárias, religiosas, musicais, ou mesmo ligadas à propaganda que há vários anos enchem os muros e paredes da cidade, a despeito do quão 'limpa' ela queira apresentar-se. E queremos incluí-lo porque achamos que o pixo borra e questiona os limites usuais que separam o que é arte e o que é política. E essa é uma questão que interessa muito ao projeto curatorial da 29ª Bienal.

Lembro que política é aqui entendida não como espaço de apaziguamento de diferenças, mas justamente o contrário. Ou seja, como o espaço formado pelos atos, gestos, falas ou movimentos que abrem fissuras nas convenções e nos consensos que organizam a vida comum. Ou seja, como bem coloca o filósofo francês Jacques Rancière, política entendida como esfera do "desentendimento".

Essa é uma questão que, evidentemente, envolve uma série de dificuldades para que essa aproximação não se dê somente na superfície e, portanto, escamoteando as diferenças existentes, situação que não interessaria nem a nós nem aos pixadores. A nossa aposta é em descobrir formas novas de tratar do assunto com integridade de ambas as partes, sem que instituição e pixadores cedam completamente ao universo da outra.

Folha - Como você avalia o episódio da invasão da 28ª Bienal por pichadores e a reação da instituição?

Dos Anjos - A invasão foi, sem dúvida, uma provocação e um protesto frente a uma situação de exclusão a que aqueles que a protagonizaram (os pixadores) são submetidos em seu dia-a-dia em várias instâncias da vida comum na cidade de São Paulo e, no caso particular, do meio institucional da arte. Não estou com isso dizendo que a endosso, mas que é assim que a entendo.

A resposta da instituição naquele momento foi, a meu ver, inadequada, pois reduziu o incidente, seja pelas ações que tomou seja pelas que deixou de tomar, a um caso policial. Se é verdade que houve infração de regras e de leis por parte dos pixadores, não existiu o esforço necessário, por parte de uma das maiores e mais importantes instituições culturais do país, de entender as razões do ocorrido. Acho que essa postura não faz jus ao importante protagonismo público que a Bienal pode exercer na cidade e no Brasil, gerando conhecimento novo sobre o assunto.

Folha - O convite/a participação do picho na Bienal é um atestado, portanto, de que a 28ª Bienal errou? Por quê?

Dos Anjos - Não é intenção da curadoria, em absoluto, incluir o pixo para 'reparar' um suposto erro cometido pela Bienal no passado. Como também não é intenção da curadoria 'cooptar' o pixo para evitar novos conflitos que poderiam eventualmente se repetir. Entendemos que a situação é outra, e nosso objetivo é atuar, nesse novo contexto, da forma que achamos mais coerente tanto com o projeto curatorial da mostra quanto com a visão que temos do lugar do pixo da teia cultural da cidade.

Folha - Isso não é demagogia?

Dos Anjos - Seria demagogia se estivéssemos simplesmente convidando pixadores da mesma forma que tantos outros artistas estão sendo convidados. Mas nós sabemos que essa igualdade não existe, e eles evidentemente também sabem. O que nos interessa é justamente tentar entender essas diferenças, e os limites e as possibilidades dessa aproximação. E é isso que também acho que interessa aos pixadores. Ninguém está tentando escamotear nada. Tudo está sendo feito às claras. A aposta é na explicitação de questões, não no oferecimento de respostas fáceis. E como as questões precisam ser melhor formuladas tanto por nós, pertencentes ao chamado 'campo da arte', quanto pelos pixadores, nosso empenho é demonstrar que a Bienal de São Paulo pode ser plataforma privilegiada para a formulação dessas questões. Se conseguirmos ao menos isso, acho que já teremos dado uma contribuição relevante para o início de um debate mais amplo e consequente sobre o assunto.

Folha - Como se deu a aproximação entre pichadores e a atual curadoria?

Dos Anjos - Os eventos de 2008 tiveram o mérito de fazer com que muitas pessoas e instituições se empenhassem na tentativa de entender o que estava implicado no episódio. O Ministério da Cultura, por exemplo, buscou estabelecer um diálogo com o grupo de pixadores envolvidos, empenhando-se em tentar entender as complexas razões que levaram ao surgimento dessa gigantesca cena do pixo em São Paulo. Acho que esse movimento foi importante na preparação para uma conversa menos tolhida por preconceitos mútuos entre a Bienal e os pixadores.

O anúncio de que a 29ª Bienal teria como foco a questão da relação entre arte e política foi o outro elemento-chave que levou os pixadores a fazerem o primeiro contato buscando estabelecer uma conversa, posto que entenderam que haveria ali uma possibilidade de dar visibilidade a questões que foram (e ainda são) muito mal entendidas pela maioria da população. O papel da curadoria, nesse processo, é justamente propor estratégias de inserção do pixo na exposição que, contudo, não o "domestiquem", tornando-o algo passível de fácil inserção em um mercado sedento por novidades para serem vendidas.

Folha - Como essa aproximação foi vista pela Fundação Bienal? Houve algum tipo de objeção inicial? Caso tenha havido, como foi contornada?

Dos Anjos - A direção da Fundação Bienal não interfere nas escolhas e nas estratégias da curadoria da mostra, agindo sempre de modo respeitoso e depositando confiança nos curadores convidados para a realização do evento. Nós curadores, por outro lado, temos a medida de nossa responsabilidade quando propomos questões passíveis de gerarem desconforto ou polêmica. Temos absoluta certeza, contudo, que é exatamente esse o papel de uma Bienal de arte: criar fissuras nos entendimentos estáveis do que é ou do que pode ser arte. Independentemente do foco temático da presente edição, creio que a Bienal de São Paulo tem a obrigação de, nesse sentido amplo, ser sempre política.

Folha - De que maneira os pichadores se encaixam no projeto curatorial de arte e política?

Dos Anjos - O pixo é uma manifestação visual que traz, embutida nas práticas dos pixadores e nas imagens que eles criam sobre os muros e edifícios da cidade, uma visão de mundo que simplesmente não cabe nos acordos que regem e limitam a vida comum na cidade de São Paulo. E apesar disso o pixo está aí, cobrindo toda superfície de parede disponível, forçando sua passagem em um país cujas elites ainda preferem ignorar as graves fraturas sociais que existem. Dando visibilidade a algo que de outro modo não seria visto. E falando de algo que, não fosse justamente pela grafia aparentemente cifrada que os pixadores usam, dificilmente seria dito. Nesse sentido, pixo é política. E nesse sentido, é arte também.

Folha - Picho, então, é arte?

Dos Anjos - Nesse sentido em que falei, sim. Na verdade, a questão a se fazer é outra, que poderia ser formulada nos seguintes termos: Se o pixo é exposto numa galeria ou numa Bienal, permanece sendo arte? É com essa aparente contradição que teremos que lidar na 29ª Bienal. Pois se o que faz o pixo ser arte é justamente o fato dele desconcertar nossos sentidos e nos fazer admitir, mesmo quando estamos no conforto de nossos carros ou da janela de um apartamento alto, que existem outros modos de entender e de inventar o mundo, o que acontece se o pixo é trazido para o ambiente controlado, conhecido e decodificado do chamado 'campo' da arte? Ele mantém a sua potência ou se torna mera ilustração ou lembrança de si mesma? É esse desafio que curadores e pixadores tem que enfrentar juntos, de modo que ultrapassem duas situações simétricas e igualmente indesejadas: por um lado, a simples rejeição ao que causa desconforto; por outro, o desejo de cooptar o diferente para torná-lo igual a nós mesmos.

Folha - Mas picho também não tem um aspecto de vandalismo?


Dos Anjos - De uma perspectiva meramente legalista, a resposta obviamente é sim. Porém, essa é uma maneira de ver a questão que mais esconde do que revela. Afinal, o grafite também ocupa espaços na cidade que não são propriedade dos grafiteiros, e nem por isso estes são criminalizados de modo tão inequívoco como os pixadores. Na verdade, como bem sabemos, muitos grafiteiros são hoje considerados artistas, tendo seus trabalhos expostos em museus e vendidos em galerias de arte. O que produz essa diferença de percepção? Arriscaria dizer que é a opacidade do pixo em relação à transparência do grafite. Ou seja, que é o incômodo causado por algo que não se deixa apreender por códigos conhecidos, quando comparado ao conforto sentido quando se depara com uma imagem reconhecível e produzida por uma prática autorizada, como é hoje a dos grafiteiros.

Folha - A participação reforça a passagem, cada vez mais comum, da arte de rua para as galerias? Quais os prós e contras dessa passagem?

Dos Anjos - Se o resultado da participação do pixo na Bienal de São Paulo for reforçar essa passagem "da rua para as galerias", teremos fracassado inteiramente em nosso intento. Não é isso que queremos, ainda que fazer essa travessia possa melhorar materialmente a vida dos pixadores que a façam. Mas então o que se fará não será mais pixo, mas apenas uma representação gráfica do pixo. Aqui, como em tudo na vida, é preciso fazer escolhas. E escolhas têm consequências. Por isso que não queremos impor aos pixadores formas de participação do pixo na Bienal. Queremos construir juntos essas formas de participação. Mas de antemão já sabemos, curadores e pixadores, que trazer o pixo como mera expressão gráfica que se vale de um suporte bidimensional para dentro do prédio da Bienal não interessa, não resolve coisa alguma. Esse seria o caminho mais curto para destituir o pixo de sua força transgressora e de sua originalidade. Interessa-nos mais descobrir formas de compreender e de ativar, a partir da Bienal, os significados do pixo na cidade de São Paulo. Para tanto pretendemos fazer uso de estratégias diversas de documentação (fotografias, vídeos, coleções de tags) e de discussão. Estratégias que não se confundam com o pixo propriamente dito, já que esse só existe como tal nas ruas, mas que evoquem, desde o interior do mundo da arte, o fato de que nem tudo que é arte a Bienal é capaz de abrigar ou de entender plenamente.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Pedalada Ctba - Guaraqueçaba (fev/11)

Esta pedalada começou meio enviesada. Havíamos combinado de sair no sábado pela manhã, mas acordamos tarde e parte da bagagem não estava pronta. Quando terminamos de organizar as coisas já era aí pelo meio dia, não daria tempo de curtir a descida da Graciosa. Resolvemos, então, sair domingo cedo.


Por incrível que pareça, os 40 quilômetros de Curitiba até a entrada para Morretes, pela BR-116, passaram bem rápido e no meio do caminho passou um caminhão muito perfumado. Fiquei um tempão tentando descobrir de que era aquele cheiro. O pessoal anda muito rápido na estrada, não deu nem para ver a carroceria. Quando senti que havia algo mais que fumaça no ar, a carga já ia pelo menos a uns quinhentos metros. Tendo refletido sobre velocidade, fumaça e pedal, descobri: era abacaxi! Fiquei rindo e sonhando com um bem gelado naquele asfalto de fritar ovo.

Como de costume, paramos no mirante para almoçar: caldo de cana, água da côco, bolacha integral de aveia com cacau. Aí apareceu a primeira falha quando recusei o copo plástico do caldero: esquecemos nossas canecas!

A descida termina numa região com várias casinhas vendendo bugiganga e comida tradicionais, sem contar locais para "esportes" aquáticos como boia-cross e o famoso "segura-na-corda".


Sabíamos que ali em Porto de Cima tinha um camping na beira da estrada. Era umas quatro da tarde e era preciso ter em mente pelo menos um lugar certo para ficar. (Em Morretes, ficamos da outra vez num camping que é bom, mas muito longe.) Paramos e perguntamos o preço. Barato. "E esse barulho todo?" Havia vários carros com som alto. "Isso já sai. O pessoal vai embora logo que anoitecer. Aí só fica a gente aqui e o bar". Hum, sertanejo agora, sabe-se lá o quê depois. "Muito obrigado. Tchau".

Entre Porto de Cima e Morretes tem uma longa e escaldante planície, provavelmente um mangue aterrado. Em determinado momento, passamos pelo Corpo de Bombeiros. "Sabes que já me disseram que dá para ficar aí? Que tal tentarmos?".

O sargento Gaspar nos atendeu e convidou para tomar um café: queria conversar, saber quem éramos antes de nos ceder um lugar. Sob o ruído da sempre presente televisão (hoje parece que para haver vida humana é preciso esse troço infernal), o sargento nos contou várias histórias sobre seu passado em Tagaçaba e Serra Negra, por onde passaríamos na ida para Guaraqueçaba.

Lá pelas cinco e meia perguntei se poderíamos ficar ali ou se teríamos que ir para outro lado pois começava a escurecer. "Sim, claro, vamos ali no gramado ver onde vocês querem armar a barraca. Só que amanhã bem cedo vocês têm que ir embora". Tudo bem.


Às sete em ponto nos despedimos dos soldados e deixamos um abraço ao sargento, pois havia saído para comprar pão em Morretes.

A segunda falha apareceu depois dos primeiros quilômetros do segundo dia: a Luísa esqueceu o óculos dentro da barraca. Olhei para meu bagageiro e pensei "é, tá bem compactado para reduzir o atrito com o ar". Na Cidade do Barreado abrimos a barraca no meio da praça ao lado do rio e juntamos os pedaços. "Acho que dá para consertar. Ainda tem aquele arame do pão?" Mas não deu. O óculos ficava se mexendo demais no rosto, uma lente para cada lado.

Recarregamos a comida e pegamos a estrada para Antonina.


O caminho era muito bom e tranquilo. Depois de entrar para Guaraqueçaba, uns 4km antes de Antonina, o movimento reduziu ainda mais. Lá pelas tantas bateu a fome e numa vendinha onde compramos quatro ovos a vendedora nos disse que havia um lugar muito bom para descansar, onde muita gente ia passar o dia com a família e tal: o Rio do Nunes.

Realmente, o lugar era muito bom, com mesinhas cobertas, churrasqueira, água, banheiro, e o rio. Almoçamos e ficamos nadando. Essa região de mata atlântica é sempre muito quente. Tínhamos que esperar o sol baixar um pouco para poder seguir.


Até aqui a pedalada estava indo bem. O asfalto tinha pouco buraco, havia acostamento em grande parte do percurso, sombra de árvores, etc. Mas, de repente, aparece a temível estrada de terra. Na verdade, se fosse "estrada de chão batido" não teria sido tão ruim. O problema era que os próximos 76km seriam numa estrada de pedras, como um leito de rio seco. Isso reduziu nossa velocidade para em torno de 30k/dia, quase como se estivéssemos indo à pé.


Passado um tempo, sentamos à sombra numa ponte para descansar e comer. A tarde ia pela metade e a todas as pessoas para quem perguntamos quanto faltava até Tagaçaba a resposta era "uns 24km". Desanimador... Ainda mais quando uns diziam: "aí pela frente tem uma serra braba, viu?". Pensei que devíamos parar numa casa e pegar água gelada e frutas. Assim, na primeira estradinha entramos. Era uma associação de apicultores, onde apenas a família do caseiro estava. "Vi vocês agora há pouco, era eu que ia pedalando mais na frente". Ofereceu água gelada. "Conhecem jaca? Esses dias apanhei uma e tava esperando amadurecer um pouco. Talvez já teja no ponto. Sabia que jaca é fruta indiana? Querem provar?". Eu nunca tinha comido e sabia que não gostava. Luísa também não conhecia mas queria sentir o gosto. O troço era horrível. Gosmento, doce e muito forte. Lambi os dedos e dá-lhe água.

Faltava umas três horas para anoitecer. Será que era melhor ficar ali? Não, Tagaçaba fica só 24km mais pra frente. Dá tempo e sobra. Agradeçemos e seguimos.

O pior foi que não sobrou tempo, nem água, nem energia. O céu já havia se lançado no lusco-fusco quando saímos da estrada principal e descemos para uma casa. Os cachorros latiram lá de longe e vieram espantando uns pássaros enormes e pretos, que mesmo de dia eu não saberia reconhecer: o jacu.

"Boa noite, senhora. Estamos indo para Tagaçaba. Falta muito ainda?", "Pelo menos uns 20km", "Virge maria, acho que não vai dar. Poderíamos passar a noite aqui? Temos barraca, comida, tudo", "Olha, eu não conheço vocês mas vou dar um voto de confiança. Tem esse espaço aí pro lado da casa". O marido chegou em seguida e ela falou que ficaríamos. Ele concordou. Um tempo depois já estavamos usando o chuveiro deles e tudo.



"Nós vimos vocês lá no trevo de Antonina, hoje cedo", disse simpática a dona Irene. E começaram a conversar sem parar. Queríamos comer e dormir, mas não achávamos nenhuma brecha. Parecia que não falavam com gente há muito tempo, então não podiam perder a oportunidade. Em dado momento, conseguimos escapar e preparamos nosso jantar tradicional: macarrão de sêmola, tomate seco comprado a granel, sardinhas enlatadas ao molho de tomate e água. De sobremesa tinha chocolate de soja e paçoca.

De noite começou a choviscar. Tive que colocar a lona por cima, o que aumentou terrivelmente o calor. Na manhã seguinte, com um sol muito bonito, colocamos os cochonetes para ventilar e fomos convidados para tomar café juntos. Com a televisão ligada, ouvimos histórias sobre a vida do casal, como foram parar ali, em Potinga, já que eram de Curitiba, o trabalho de confeiteira de Irene, a lida na terra de Loepoldo, os filhos caminhoneiro e administrador que trabalhavam muito, os vizinhos que eram todos preguiçosos e ladrões, os políticos que não ajudavam, e por aí vai.


A estrada exalava vapor pela manhã e o sol já estava fritando. Chegamos em Tagaçaba pelo meio dia com muito calor e uma estrada poeirenta. A vila possui uma pequena infraestrutura turística de pousadas e restaurantes. Pelo que ouvimos falar, Tagaçaba é onde o pessoal pára quando vai para Guaraqueçaba. E nós decidimos passar o dia ali, descansando.

Para tanto, primeiramente fomos largar as coisas. Tínhamos duas referências: uma de um sujeito chamado Duka, que conhecemos no Rio do Nunes. Ele indicou a casa de um amigo, dizendo que não tinha erro. A outra, foi de dona Irene. "Assim que chegarem em Tagaçaba, passando a ponte, na primeira subida à esquerda: ali mora a Zuleide, que cuida da paróquia. É só bater e dizer que foi eu quem mandou."



E foi isso mesmo. Ficamos no galpão de festas da igreja católica, que ficava numa subida e de lá podíamos ver todo o vale. Disseram que sempre aparecia gente viajando e que deixavam o pessoal acampar ali.



Passamos o dia brincando no rio, lendo, comendo, descansando. De noite, o marido da Zuleide nos convidou para uma sopa, porém já estávamos comendo a nossa janta. Descemos mais tarde para conversar um pouco.


No dia seguinte, com o céu sempre nublado, passamos pela vila de Serra Negra do sargento Gaspar e depois de muita subida chegamos a um mirante quase em ruínas. Dali, tínhamos a visão de toda a planície litorânea até Guaraqueçaba e o relevo prometia ser mais ameno.







O bar do seu Gilson ficava na esquina que pegava para a Reserva do Salto Morato. Essa seria a nossa última parada antes de Guaraqueçaba. Tomamos um refri gelado e seguimos mais 4km na pior estrada de todos os tempos. Ficamos no camping deserto e saímos para conhecer o salto antes que escurecesse. Chegamos à cachoeira depois de 1,5km de trilha. Só podíamos ficar sentados, olhando em silêncio.


No meio da trilha havia uma piscina natural, formada na curva do rio. Água gelada? Um pouquinho.



De volta ao camping, estávamos com um probleminha. Nossa comida estava dividida entre a janta de hoje e o café da manhã do dia seguinte. Era de tarde e a fome crescia. Perguntamos sobre a lanchonete que havia na reserva: "Fechou. Não vem tanta gente quanto eles imaginavam". Pensamos no bar do seu Gilson, na estrada ruim, no cansaso. Mas eis que surge o encarregado da reserva: "Vieram de Curitiba? Eu também gosto de pedalar e isso e aquilo". Era um cara de uns trinta anos que gostava de esportes no meio da natureza. "Olha, estou saindo para voltar só semana que vem. Tenho umas coisas na geladeira do refeitório que talvez vocês queiram. Vamos lá ver?". Pão, queijo, maçã e suco. Excelente! Ficamos tão contentes que a horda de mosquitos que nos atacava quase foi ignorada (mas era impossível).

No final da tarde, chegou um cara de moto sozinho. Roberto Carlos, soldador, trinta e poucos anos. Gostava de conversar e contou histórias sobre trilhas e passeios, coisa que fazia quando mais magro. Deu várias dicas de lugares para visitarmos nos arredores de Curitiba. Uma rara pessoa que, sendo trabalhadora comum e mesmo sozinha, sai no feriado para acampar e conhecer belezas naturais.






O caminho até Guaraqueçaba foi tranquilo. Havia muitas fontes de água cristalina que cruzavam a estrada, mas não paramos com medo dos mosquitos. A proximidade com a cidade se anunciava pelos morros desmatados e a areia branca no chão. Quando chegamos na estrada de paralelepípedo tive uma sensação ruim. Aquele era um lugar desolado, abandonado, onde tudo era feio e largado para apodrecer. Passamos por loteamentos onde as casa mais pareciam de uma periferia. Num município de 8,5 mil habitantes isso parece incabível! Entrando um pouco mais, passamos por casas de veraneio (?!) e adiante, depois de uma subida, fica o centro histórico.


Fomos direto comprar a passagem de volta por barco e buscar um lugar para comer. A passagem custava R$17 mais 15 da bicicleta. "Que absurdo! Como é que pode?! Acham que isso aqui é viagem pra lua? Turismo virou sinônimo de ladroagem ou o quê?" Depois disso a moça fez a bicicleta por 10, mas muito a contra gosto.


Sinceramente, Guaraqueçaba é apenas um lugar inóspito que, como boa parte do turismo litorâneo brasileiro, não oferece serviços de qualidade e cobra caro. Não tenho vontade de voltar lá e também não recomendo a ninguém (a não ser que vá de bicicleta, pois aí a cidade é apenas um pontinho no trajeto).

Tivemos muita sorte durante a viagem: não choveu nenhuma vez enquanto pedalávamos, conseguimos pouso no meio do nada com a dona Irene, nos ofereceram comida quando precisamos, nenhum pneu furou mesmo com a estrada daquele jeito e não passamos mal por causa de água ou comida. Os mosquitos atacaram sem piedade, por cima da roupa e ignorando qualquer repelente, o que tornou as noites um pouco difíceis. Mais uma vez, não estávamos preparados para chuva, que caso nos pegasse seria um desastre.

Foi a viagem mais difícil até agora, porém a mais aventureira.



quinta-feira, 17 de março de 2011

Semáforo, parte 2

     Nessa semana, encontrei mais algumas bicicletas_no_semáforo pelo centro de Curitiba.


     Mas ontem revisitei alguns pontos e notei que já haviam sido tiradas. A primeira delas durou mais de três semanas.
     A ideia parece bem interessante, pois quem geralmente olha estes sinais são os motoristas e eles não vão sair do carro para desobstruir a lâmpadinha.
     Vamos ver se não aparecem mais, dessa vez, pelos bairros.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Semáforo de bicicleta

Finalmente alguém pôs a idéia em prática!
É mandar bala pela cidade, porque tá na hora dos carros dividirem o espaço urbano.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Ela que tomava cerveja no café

        Quando se vai a um café procurar a mulher que escreve sozinha numa mesa de fundo, já se sabe falida a idéia. Entretanto, não sei, então, o que vou fazer nesses lugares. Sento ao meu fundo, virado para a entrada, ouvindo as garçonetes moerem acordes modernos em seus movimentos e interjeições. Nem sabem o que fazem, que moderno é tecnologia de ponta, coisa futurista.
        Cada vez que se abre a porta, entrevejo a rua escura, uma nesga de farol que passa, o ruído de máquina: tudo isso como uma possível sagração urbana do inverno.
        Me estico, um movimento interrogativo, e só.
        Às vezes desisto desse meu canto. Hoje, por exemplo. Peço outro café, puro carvão diluído, alimento da minha amargura premeditada. Gorki não entrava em cafés, o Máximo, ainda mais nesses pseudo-franceses tirados da cartola, à revelia de qualquer rigor estético. Vim e vi: a placa diz “café e mercearia”. Não há possibilidade de vitória, fico apenas vislumbrando: em que parte do mundo ouve-se jazz-cigano numa mercearia com cara de boteco da rue du Palais?... Imagino simplesmente.

        De repente, a porta. Sinto algo estranho. Uma penumbra viscosa rasteja para dentro, trazendo o cheiro de diesel queimado e um pouco de poeira. Ali, lentamente, naquele gesto aveludado de soltar a maçaneta, ouço Schumann. Ela entra em lá menor, soturna. Deixo soar o piano, noturno. E o galope blasé que atravessa o vestíbulo extasia-me, afinal.
        Deixo...
        Afinal, fui eu quem veio procurá-la.

        De propósito, ela senta no meu canto do fundo, onde entram e saem os pedidos, as garçonetes. Não saem homens, eles sempre ficam atrás do balcão. Mesmo nesse tipo de mercearia, onde abundam os gays de todos os sexos, eles não saem, continuam designando. Sempre elas, andando e vestindo sua grosseria machista. Respondo tomando café sem açúcar, como tem que ser. Não seria diferente numa espelunca balcânica, gitana até na mancha de vinho no balcão? Claro que seria. O velhinho sérvio tocando acordeão em língua ruidosa; sem dúvida, soaria tão lindo como a última sarabanda de Bergman. Também atenderiam elas, mas saracoteariam suavemente, a lascívia escorrendo pelas pernas e mãos, pelos sovacos peludos. Vejo isso tão distante desse saloon onde se impõem certas ladys...
        Putas não têm aquele quê de saudade, não, não. Nem em Henry Miller, quem dirá numa viela curitibana: elas deixam é a conta. Mesmo assim, querem me convencer de que é possível sublimar uma rameira na cama.
        Em meio a tantas referências, esse lugar não passa de uma utopia, entra-se como num espelho que leva a outro mundo, fantástico, cheio de aleatoriedades descontextualizadas (armazém, estava escrito?!), que na verdade apenas entulham a estrada de tijolinhos amarelos.
        Sim, vim por uma mulher. Uma, confirmo. E já (sempre, na verdade) me sinto frustrado. Como se não bastasse a confirmação do u.topos, a falta do ethos ridiculariza meu romantismo, mesmo com um entrada tão charmosa. Passou por mim e nenhum cheiro ficou. Tão fantasioso que sou dos suores e perfumes, fico sem pistas. Vinda de um dia inteiro. Essas, suas últimas horas entre as pessoas. Minhas únicas, atalharia; planejadas para esse acaso.
        O destino que escolhi sempre me pareceu uma roleta russa com cinco balas no tambor. Penso no atoleiro em que a Fortuna encalhou tão profundamente quando tentava atravessar o Principia newtoniano, enquanto uma mocinha de suspensórios largados ao lado da perna entrega a cerveja na minha mesa do canto no fundo. Espuma escura, descuidada, em exagero. Tudo soa gasto novamente.
        Fico observando seus olhos incolores apoiados no copo. Estão rodeados por uma leve borra de café que me atrai. Bem que tomaria um macchiato dessa vez, se a atendente não revelasse no sorriso uma dobra de rancor, coisa de quem apanha e não gosta. Eu que tive pai, reconheço de longe essas rugas.

        Na era do mau gosto – esta nossa era, diga-se de passagem –, todos são in. Um desfile do ridículo. Digo isso pois obviamente nasci no tempo errado. Para mim, as peças não se encaixam, entram sempre forçadas, deformadas. Mas quem não finge isso? Quem não se coloca no lugar errado só para sentir o conforto do retorno? Onde está meu espresso com leite?! Preciso de mais tempo para as minhas justificativas.
        Não que eu seja in, é impossível. Me apresento da forma mais natural. Sapato e calça vincada, pretos. Colete por cima da camisa bordô escuro. Um relógio de prata cruzando a abotoadura e o bigode encerado. Eu até apostaria minha cabeça com o diabo para poder roçar o lábio no teu pescoço, minha cara Lenore, mas tu não me notas.
        E o seu desprezo me diz: eu me basto e nada mais...

        - Garçonete, poderias trazer-me pasta de berinjela com torradas, por favor.
        - Não tem mais.
        - Então, um croissant de rúcula com tomate seco, por gentileza.
        - Estamos fechando a cozinha.
        - Mas nem para esquentar no micro-ondas?!
        - Cê que sabe.

        Arh! Antes tivesse pedido uma coxinha para não passar por essa humilhação.

        Hum... ela vai ao banheiro. O andar, essa soberba, eu fico paralisado. Todos sabem que a arrogância nasce do auto-conhecimento. Não posso deixá-la ir embora.
        Mas é exatamente o pavor que me atrai e me joga para a cadeira ao lado da dela. Sento, inspiro, passo o dedo na beirada do copo e provo a espuma. Oh, doce amargo... esse sabor quente... essa presença que surge na minha frente!
        - Oi.
        - Achei que já tinham desocupado a mesa.
        - Não, ainda estou terminando a cerveja.
        - Calharia se eu, err...
        - Cê que sabe.
        Fecho os olhos e esfrego a testa com aquela frase. “Cê que sabe”.
        Não era para ser assim. Lanço o olhar para a porta e percebo que não há mais esperança. Fiz o meu lance errado.
        - Aqui, sua coxinha.
        - Desculpe senhorita, mas eu não pedi tal iguaria!
        - Era o que tinha. O cozinheiro já foi embora.
        Mas como, como alguma coisa nessa vida pode sair bem feita dessa forma?! É uma esculhambação sem fim. Um carnaval na nossa própria cara! Uma pessoa correta não pode mais estar bem, estar tranquila? Era necessário agora isto? Eu realmente me pergunto se tal peraltice era necessária, hein?
        Vou-me embora! Ah, se não vou. E deixar-te-ei sozinha, para que te afogues nessa espuma bolorenta.
        Pago a conta jogando uma nota de vinte no balcão e bato a porta na saída. Gostaria de ter visto a cara delas com essa minha atitude. Tal constrangimento deve ter-lhes feito cair as sobrancelhas.
        Não adianta ir num café, tentar se misturar. Da próxima vez, tenho que ir a um lugar realmente culto, frequentado por pessoas que de fato sejam inteligentes e interessantes.
        Eis a biblioteca!

06 de fevereiro de 2011

domingo, 23 de janeiro de 2011

O experimentalismo vazio de um viajante

Esta postagem é um texto direcionado, um pisão no calo de uma pessoa que gosta do livro ruim que vou comentar. Não quero falar do livro aqui na introdução e sim marcar o início de um novo evento cultural chamado Rinha Literária. O intuito é descobrir alguma porcaria que um conhecido goste e sentar o sarrafo. Única regra: somente a mãe do escritor pode entrar no terreiro. Recomendações: criatividade e humor ácido.

Vamos lá!

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O experimentalismo vazio de um viajante


Finalmente, após dez inícios de histórias variadas e doze comentários sobre a curiosidade do leitor e a voracidade da leitora, o “novo romance de Italo Calvino” Se um viajante numa noite de inverno está prestes a ser criticado. “Relaxe. Concentre-se. Afaste todos os outros pensamentos. Deixe que o mundo a sua volta se dissolva no indefinido.”

Comecei o texto de má-fé, confesso, pois faz pelo menos um ano que li esse livro, o que significa um bom tempo para -finalmente- iniciar um comentário. Porém, isso não é grave, a memória está aí para nos trazer à tona toda sorte de lembranças reconstruídas e confusas. Agora, penso que não deveria ter dado o livro de presente (me livrado, seria melhor), pois muito me faz falta o artigo final de Calvino (com aquele esquema bonito que todo leitor fica curioso para entender quando está ainda folheando). Tal resposta a uma resenha crítica que fecha aquela edição comprova um dos meus argumentos-chave: a do livro-tese. Tentarei encontrá-la na internet que está sempre ligada, cheia de informações. Só que a gente sabe: procura e consulta e acaba com a sensação de que não há nada, como certos romances genais que encontramos na “vitrine de livrarias”. E esse é o segundo ponto: mesmo durante a atuação da dupla Leitor -Leitora (sem falar dos dez inícios truncados de histórias “interessantíssimas”), transborda do livro aquilo que costumamos esperar de um best-seller: facilidade, curiosidade e, principalmente, o vazio literário.

Não vem ao caso definir o que é literatura, muito menos o que é boa literatura. Para isso há milhares de páginas escritas por especialistas, inclusive pelo Calvino. (E sempre ficamos com a impressão de que tal coisa nem existe.) Por motivos metodológicos - talvez -, deveria explicar como este comentador avalia a literatura. Afinal, nossos críticos contemporâneos (?) condenam tempestivamente opiniões envolvendo gosto, apesar de serem os primeiros a defenderem a iniciação literária através dos mais vendidos. (Até fico desconfiado se eles não têm algum contrato de participação em vendas.) Pode parecer que uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas tem: o que está em jogo neste tipo de iniciação é aprender a gostar de ler pela facilidade e pela curiosidade. O desenvolvimento do gosto (acrítico) de um novo leitor. Não entrarei também no mérito da preguiça intelectual, mas deixarei claro que essa posição é muito boa para as editoras e pouco boa para os novos (e velhos) leitores.

Não, não preciso definir nada, nunca vi um crítico fazer isso.

Entretanto, o “novo romance” de Calvino começa dez vezes! Isso apenas já daria a ele o título de experimental. O que não é nenhum problema, claro, se não resultasse mais num índice de estilos que em literatura propriamente dita. Nosso autor participou do "Ouvroir de Littérature Potentielle" (Oulipo), um grupo de experimentações lítero-matemáticas e como os três personagens de O Pêndulo de Foucault de Umberto Eco, Calvino escreveu com algoritmos. É o tipo de precisão que destitui o escritor de sinceridade. Diferente de outros experimentos literários, este faz com o que o leitor perca a confiança no livro.

E não é a primeira vez que aparece o estilo best-seller-tese. Esses termos soam contraditórios, mas quase todos os romances de Eco são assim. A erudição com o romanesco. O enciclopédico com o pop. Está feito; não adianta afirmar que não podem andar juntos. Só que me parece ruim, pois leva ao leitor exigente informações que ele não quer, histórias que lhe desagradam.

São estes dois fatores que trazem o tédio à tona e tentam afogar o leitor a todo custo. Dez vezes historinhas banais são interrompidas e em seguida comentadas? É realmente achar que não há livros mais interessantes pelo mundo. E o que é pior, os comentários são ungidos numa aura de metalinguagem onde eu, leitor, presumidamente me identificaria ou me confundiria com os personagens, Leitor-Leitora, gerando o que a crítica deslumbrada chamou de “hiper-romance”. Absurdo! Total falta de conhecimento do que é hypertexto e linguagem web.

É claro que Calvino, matemático cibernético, sabe desse enorme problema (afinal, ele mesmo afirma que livro é feito para ser vendido) e usa de uma técnica certeira, tão testada que há muito é o cânone da literatura de massas: o suspense. Algo está para acontecer, preciso continuar a leitura! Porém, é num banho maria de pistas, dicas e traumas (que o leitor tenta constantemente se recuperar) que o romance vai despencando de uma escadaria, como mostra o esquema do seu artigo “Se um narrador numa noite de inverno”, publicado em 1979 na revista Alfabeta. (Apenas neste momento é que consegui a tal “resposta a uma resenha crítica”, de que falei no segundo parágrafo.)

Bom, então vamos ao tal artigo. Já de cara vou confessar que, relendo o texto, fiquei incomodado. Calvino concorda comigo! Fico pensando se foi ele quem inaugurou o que hoje é muito comum nos escritores jovens, aquela empáfia de dizer “foi isso mesmo que eu quis fazer, eu planejei que ficasse ruim”. É incrível. Não consigo entender. E além disso, desse enaltecimento às avessas, a crítica aplaude. Como escreveu Paulo Polzonoff sobre Eco (e eu aplico também a Calvino): “é um destes escritores que todo intelectual sem talento gostaria de ser e, em encantando-os, encanta os resenhistas, que por sua vez admira os intelectuais que não são de fato. Nesta cadeia de encantamento é que se forjam mitos literários que, espera-se, não sobrevivam muito mais a seu tempo.”

O lema moderno saiu da pena de Rimbaud: “a beleza sentou-se em meus joelhos e estou fatigado dela”. Para ganhar o título honorário de pós, bastou a compressão até à instantaneidade, à ideia interrompida em 140 caracteres ou o romance em 32 páginas.

De Calvino: “O objeto da leitura que se encontra no centro de meu livro não é tanto 'o literário', mas sim 'o romanesco', isto é, um procedimento literário determinado – próprio da narrativa de cunho popular e de consumo”. “O destinatário natural e fruidor do 'romanesco' é o 'leitor médio'”. E para justificar seu “exercício acrobático para desafiar, e indicar, o vazio subjacente” ele escreve: “perseguir a complexidade por meio de um catálogo de possibilidades linguísticas diversas é um procedimento que caracteriza toda uma dimensão da literatura deste século”. Cita ainda o caso de Raymond Queneau (do Oulipo) que “já em 1947 publicava os Exrcicies de style, nos quais uma historieta de poucas linhas recebe 99 redações diferentes”. (E eu que pensava que escrever várias versões servia para escolher a melhor...)

Se este artigo, em vez de estar no final do livro (Editora Planeta de Agostini, 2003), servisse de introdução, pronto: ele já voltaria pro sebo. Tem gente que não gosta de prefácio e essas coisas, mas, depois desse caso, nunca mais deixei de ler tais comentários introdutórios: ou confirmam nossa expectativa ou já nos demovem e não precisamos deixar nossa paciência ser incinerada por um PhD em análise combinatória.


esquema


Alguns sitios que dei uma espiada:

http://it.wikipedia.org/wiki/Se_una_notte_d'inverno_un_viaggiatore

http://biblioteca.folha.com.br/1/21/1999082201.html

http://pt.wikipedia.org/wiki/Italo_Calvino

http://www.casainabitada.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=66:se-um-viajante-numa-noite-de-inverno-italo-calvino&catid=6:discursos-de-outrem&Itemid=6

http://riksaint.wordpress.com/2005/10/03/critica-literaria-o-pendulo-de-foucault-umberto-eco/



quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Meu Pai Queria que eu fosse Projetista Mecânico, mas…

(tirado do blog)

eu decidi ser escritor.

é fácil.

apenas me sento e tiro a crosta de antigas feridas e espinhas

da minha vida

até que surge algo.

quando o telefone toca eu levanto e abaixo gentilmente o fone.

é tão fácil.

no andar de baixo minha namorada lê sobre Scott e Zelda Fitzgerald.

“nós somos Scott e Zelda”, digo a ela.

e ela fica doida.

recebo cartas terríveis pelo correio.

as pessoas querem vir aqui e me ver.

eles mandam cartas sobre suas vidas e anexam poemas.

meu conselho para todos os jovens escritores é que parem de escrever como eu.

quero dizer, isso não vai ajudar.

os editores vão simplesmente dizer,

“nossa, esse cara escreve igualzinho ao Chinaski,

manda de volta!”

a melhor coisa na escrita é que ela nunca

te deixa mal.

pode deixar outras pessoas mal, mas não você.

tipo, você pode encontrar sua mulher fodendo seu melhor amigo

no sofá às 3 da manhã

e você pode correr para o andar de cima e escrever um poema e

ficar quite com os dois.

eu realmente nunca gostei de Scott ou Zelda pelo que escreveram.

era o que eles pensavam e como viviam livres.

é claro que eles conheciam Hemingway e Hemingway conhecia Miró e

Miró conhecia Picasso e Picasso conhecia Joyce e Joyce

provavelmente conhecia D.H. Lawrence e D.A. conhecia A. Huxley que pensava

que sabia tudo

mas como disse, eu admirava o jeito como Scott e Zelda viviam

livres de todas as regras

e meu pai queria que eu fosse projetista mecânico

mas me agrada mais sentar aqui e escrever

qualquer coisa que eu queira enquanto

olho pela sacada para o porto de San Pedro

é fácil

todas as crostas de feridas e espinhas valeram a pena.

escrito por Charles Bukowski (do livro “Open All Night: New Poems”).